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Teatro de Porta em Porta...aconteceu mesmo?

E não é que a coisa aconteceu mesmo?

Neste último domingo dia 19 de julho, entramos para a história de vida de algumas 30 ou 40 pessoas. A banda passou no bairro rural do Maracanã, na cidade de Atibaia. O sorriso e as lágrimas dessas pessoas que viram nossas cenas, nossas canções, nossos bonecos e nossos narizes entraram para sempre nas nossas memórias.

Não foi lindo, não foi poético, não foi tocante. A porra toda simplesmente: Não foi. Logo no primeiro dia de ensaios sabíamos que a coisa não ficaria pronta, não haveria tempo. Antes mesmo de nascer, já sabíamos que a coisa não poderia existir. Não teríamos tempo para entender o porque das cenas, o tempo cômico, a ideia, o conceito... Tudo já era saudade logo que fazíamos os primeiros gestos. Já era efêmero antes de ser ideia.

Justamente por não ter sido é que ficou e ficará para sempre. Não foi porque o público (as pessoas dentro de suas próprias casas) estava incrédulo do que se passava ali naquele final de domingo.

” Como assim? 17 loucos cantando pela rua a fora me pedem para abrir a porta e deixa-los fazer um espetáculo só para mim na minha própria sala?! Como assim? No meu quintal?! Como assim? No meu portão?! Como assim eu digo que sim?! Me sento no meu sofá ao lado de gente que nunca vi (gente estranha) e começo a ver um espetáculo só para mim. Aqueles bonecos, aquelas canções, aqueles narizes, aquelas roupas... e, de repente, quando começava a prestar atenção no que se passava, eis que se levantam e se vão. Como assim?! Descem as escadas, fecham o portão e já estão na rua terra batida empoeirada e com esgoto a céu aberto que o poder público abandonou e já vão para outra casa??? Como assim já acabou se eu nem percebi o que aconteceu? Como assim é teatro?!”

De tanto que não foi, quase não tínhamos aplausos quando nos inclinávamos para agradecer. Essas convenções não existem naqueles cantos. As pessoas preferiam mesmo era falar. Sentiam a necessidade de completar o espetáculo de 15 minutos com os seus epílogos finais. As pessoas diziam obrigado (cara, as pessoas diziam OBRIGADO), proferiam discursos de agradecimento com sotaque caipira, com seu vocabulário simples, com seus neologismos. Venciam a vergonha de quem vive isolado na roça para agradecer aquilo que elas ainda não tinham entendido. Parecia até que elas agradeciam pela tristeza: “mas já acabou mesmo?” Inventavam com os olhos, com os risos, com as lágrimas e com os gestos das mãos nervosas cheias de emoção uma linguagem que somente nós (artistas e público) podíamos entender naquelas despedidas.

A dor maior não foi a última cena, nem o último gole de cerveja, nem a última canção, nem o último tapinha na maconha. Dor maior mesmo foi o início, quando a primeira pessoa abriu a porta da casa e que subimos as escadas da morada humilde de 3 cômodos onde mal cabiam um bebê, um pai, uma mãe e um filho mais velho. Dor maior foi pensar “Essa porra funciona!”. Dor maior foi entender naquela sala pequena e cheirando a arroz e feijão que as pessoas iriam mesmo abrir as portas para que a gente entrasse e que passaríamos por suas vidas como a banda passou para Chico Buarque. Dor maior era saber que aquilo ia acabar. Fez-me lembrar de quando era criança e fui com a escola primaria para ver o primeiro espetáculo de minha vida num circo de lona. Li que a sessão começava as 15 e terminava as 16 e que logo depois outra escola entraria para ver o mesmo espetáculo. Desde a primeira risada me entristeci porque sabia que aquilo ia acabar em uma hora. Em uma hora não teria mais aquele cara estranho levando chutes na bunda sem chorar. Em uma hora não daria mais risadas de doer a barriga. Em uma hora voltaríamos para o ônibus e para a escola chata com suas lousas cheias de matemática. Dor maior mesmo foi saber que teria um fim.

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